Dilma a extraordinária história da clandestinidade à reeleição à presidência
RIO - Há mais de uma versão para possível divergência entre Carlos
Lamarca e Dilma Rousseff sobre a intensificação da luta armada contra a
ditadura. Ele, a favor. Ela, contra. Dois pontos, porém, coincidem: aconteceu
em 1969, em reunião da VAR-Palmares, e nela a militante de 22 anos já teria
demonstrado a personalidade firme que a acompanha até hoje. Dilma sempre
atribuiu sua formação — na política como na vida – àqueles tempos, em especial
aos dias em que esteve presa e foi torturada: “É quando você passa a conhecer
seus próprios limites e fragilidades.”
Fragilidade não é bem a palavra que cabe na caminhada da atual
presidente ou, como prefere, presidenta. E sua história não cabe em uma página.
Em que outra uma jovem que pega em armas, assalta bancos, aposta em ações
extremas na tentativa de derrubar a ditadura em seu país consegue, 40 anos
depois, chegar democraticamente à Presidência desse mesmo país?
Uma história de mudanças. A primeira deu-se aos 17 anos, completados
sete meses depois do golpe militar. Mudança, na época, percebida por poucos.
Colegas de turma só foram saber de seu interesse pela política quando sua foto
apareceu em primeiras páginas como “procurada”, segundo os órgãos de repressão,
por atos de terrorismo.
Filha de um socialista búlgaro, que migrou para o Brasil pouco antes de
estourar a Segunda Guerra e que morreu em 1962 como vitorioso empresário de
Belo Horizonte, Dilma Vana Rousseff começou a mudar quando saiu do Colégio
Nossa Senhora de Sion para cursar o clássico no Colégio Estadual Central. Foi
de uma instituição religiosa, conservadora, para outra, de ensino moderno e
agitação estudantil, sobretudo a partir de um ano em que as liberdades
democráticas começavam a ser abolidas. O Estadual Central funcionava num prédio
projetado por Oscar Niemeyer em cujo muro podia-se ler frase pintada pelos
alunos: “Só morrem as causas pelas quais ninguém morre por elas”.
TORTURADA FÍSICA, PSÍQUICA E MORALMENTE
Nos dois anos na nova escola, Dilma transformou ideias possivelmente
ouvidas do pai numa prática que, opondo-se ao regime militar, levava ao
socialismo. Dá-se então sua adesão à Política Operária (Polop). O grupo — cujo
núcleo era a Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, onde Dilma ainda
estudaria — pregava a luta armada, em discordância com as facções de esquerda
que se batiam por um trabalho junto às bases, de organização dos trabalhadores.
Na Polop, Dilma se aproximou de Claudio Galeno de Magalhães Linhares, no grupo
desde 1962. Casaram-se em 1967.
Outras mudanças estavam a caminho: sua ida para o Rio, a de Galeno para
Porto Alegre, a troca da Polop pelo Comando da Libertação Nacional (Colina) e a
fusão deste com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), comandada por
Lamarca. A fusão deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
(VAR-Palmares), em 1969, no encontro em que Dilma discordou de Lamarca e deixou
a impressão de ser uma líder “metida a intelectual”, a defender um trabalho
mais de base. Mudava, também, a vida pessoal. Ao lado dela, no encontro com
Lamarca, nomeado um dos líderes da VAR-Palmares, estava o advogado gaúcho
Carlos Franklin Paixão de Araújo, que seria seu segundo marido e pai de sua
filha, Paula. Ficaram casados por 30 anos.
Das ações a ela atribuídas como guerrilheira, Dilma não assume todas,
negando, inclusive, a mais falada: o assalto aos cofres do ex-governador
Adhemar de Barros, que teria acontecido depois do racha com Lamarca. Mas sua
importância no grupo seria reconhecida pelos militares que a prenderam em São
Paulo, em 1970. Segundo dados levantados pelo GLOBO, 30 anos depois, Dilma foi
apontada como administradora de “grandes quantias em dinheiro da VAR-Palmares”,
“mola-mestra e um dos cérebros dos esquemas revolucionários”, “pessoa de
dotação intelectual bastante apreciável”.
REJEITADA POR PASSADO BRIZOLISTAReconhecimento
que inspirou a substituição de seus codinomes (Stela, Marina, Maria Lúcia,
Luísa, Wanda, Patrícia), em sua ficha no Dops, pelos cognomes “Joana d’Arc da
Subversão” e “Papisa da Guerrilha”. Presa e torturada (“física, psíquica e
moralmente”, disse ela em depoimento ao Brasil Nunca Mais), foi condenada a
quatros anos, mais 13 meses, pena da qual cumpriu metade, sendo libertada em
1972. No ano seguinte, muda-se para Porto Alegre, onde Carlos Araújo ainda
estava preso. Quando o marido foi solto, os dois fizeram da capital gaúcha seu
campo de ação nos 30 anos seguintes.
Mudança, ainda, no modo de fazer política. Ela e o marido ajudam a criar
o Partido Democrático Trabalhista (PDT), Leonel Brizola à frente. Enquanto
Carlos se dedicava à política partidária, Dilma, já formada pela UFRGS, ocupava
importantes cargos administrativos, entre eles os de secretária municipal de
Finanças e secretária estadual de Minas, Energia e Comunicações. Em sua segunda
passagem por esse último, ela rompe com o PDT, por ter Brizola retirado o apoio
ao governo do petista Olívio Dutra. E filia-se ao Partido dos Trabalhadores
(PT).
Dilma Rousseff afirma-se como figura nacional quando Lula, eleito em
2002, faz dela a ministra de Minas e Energia. Para “evitar o apagão”,
alardearam os jornais ao noticiarem a escolha. Mas, sem que se pudesse prever,
para tornar-se a mais importante afilhada do presidente. Fato que se confirmou
quando Lula a escolheu para ocupar a vaga deixada por José Dirceu na Casa
Civil. Houve quem aplaudisse o presidente pela indicação técnica. Mas houve,
também, em importantes segmentos do partido, quem preferisse o nome de um
“petista autêntico”. Muitos não esqueciam o passado brizolista de Dilma, o que,
para Lula, nada significava.
Em abril de 2009, já aguardando a oficialização de sua candidatura,
Dilma viveu um mau momento: o diagnóstico de câncer linfático. Apesar de
classificado como “do tipo mais agressivo”, o fato de ter sido descoberto no
começo facilitou o tratamento. Com a quimioterapia e a queda dos cabelos,
passou a usar peruca, enquanto se especulava se teria condições de levar a
candidatura adiante. Cinco meses depois, estava curada. E o mau momento, superado.
Se a indicação para a Presidência, em 2010, não contou com unanimidade,
menos apoio ainda teve a sua decisão de candidatar-se à reeleição: os mesmos
petistas que não a consideravam autêntica queriam a volta de Lula. Mas a
afilhada optava pelo direito de brigar por mais quatro anos. Assim, de tudo que
passou a jovem militante até chegar aonde está, o que fica é a mulher
determinada, de ideias e vontades.
Gaúcha nascida em Minas, paulista na devoção ao trabalho e carioca no
senso de humor. Dessas qualidades, as duas últimas só são conhecidas, a
primeira, por quem a vê atuando, e a segunda, por quem a ouve nas raras horas
livres. Presidente, no mais das vezes, é séria, compenetrada, só fala o que lhe
parece necessário. Diferente da moça rebelde que uma contemporânea descreve
como “sonhadora, engraçada, brincalhona”.
No trabalho, é mais do que devotada. Suas ordens são dadas em voz firme,
ou mesmo agressiva, num estilo em que os aliados veem autoridade. E os
adversários, autoritarismo. Exigente, faz as equipes virarem a noite até que
tudo esteja perfeito — e ela própria costuma mergulhar no computador para
esmiuçar detalhes de um relatório, um projeto.
A leitura ainda é um de seus maiores prazeres, embora, hoje, os livros
técnicos sejam mais constantes. Curte música, cinema, arte em geral. É
torcedora do Internacional e, menos, do Atlético, mas sua aproximação com o
futebol nunca foi maior do que na última Copa, de triste lembrança para a
seleção e para ela, pelos insultos sofridos no Itaquerão, na abertura. Diz ter
superado mais esse mau momento. Quem a conhece garante que sim.
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