Educadora na alma e na vida, Maria das Dores e
seu coração multifaces , homenageada de 2017
Maria das
Dores Dalpiaz, nasceu em 1936, no estado de Santa Catarina, com mãe do mesmo
estado e pai de colônia italiana, mudou-se para Porto Alegre (RS) ainda jovem. De família grande, com muitos irmãos e primos, se engajou pela
transformação desde os 15 anos. “A gente já fazia movimentos na rua,
movimentos de bandeirinhas. Buscávamos mudar a realidade brasileira, a
transformação do Brasil, era um grupo de ação católica”.
Seu primeiro emprego foi na já
instinta, Varig (Viação Aérea Rio-Grandense) como datilógrafa, o que, hoje, chamamos
de digitação. Certo dia, como ela mesma diz, despertou parar querer fazer algo
pelo Brasil, quis se engajar, foi quando saiu da empresa aérea e cursou o
normal de educação, saiu do trabalho na mesma semana que entrou para o
magistério. Era como se não pudesse mais esperar.
Nessa época, seus pais trabalhavam
como taxista e costureira e as finanças começaram a apertar. “Aí eu tive muito
problema, porque a gente era acostumada a ter dinheiro, meu pai me disse:
‘casa, carinho e comida você tem aqui, mas e o resto’?”. Foi quando se deparou
com a busca de renda extra e encontrou em meio a revistas, pessoas vendendo
cabeças de bonecas, como enfeites para carro. Como já era muito criativa e
sempre envolvida com artes, já pensou na transformação. Não queria bonecas
duras, então resolveu fazer corpo com arames e tecidos, costurados por sua mãe.
Nessa época tinha entre 20 e 21 anos.
“Minha intenção de fazer o boneco
nunca foi pra ser só um boneco, foi pra que ele fosse pra algo, para ensinar
algo”.
Terminou os estudos em educação
aos 24 anos, mas não se sentia à vontade com o cenário da época. “Eu olhava a
educação, e não via nada, eu já tinha estudado tanto, mas tanto (...) Paulo
Freire, uma porção de grandes educadores e fiquei chateada, porque o mundo não
fazia assim”, foi então que voltou para o trabalho de datilografia. Tempos
depois, recebeu o convite de amigos do Rio de Janeiro, para fazer escola
através das ondas do rádio. A ideia, vinda da Colômbia, era comandada por Dom Hélder
Câmara, e funcionava como uma EAD (Educação à distância) atual, uma pessoa
levava as gravações para a comunidade, enquanto os professores preparavam o
conteúdo no escritório. Tudo estava caminhando, quando a ditadura acabou com
tudo. Das Dores lembra que, não conseguiram tirar nenhum lápis da sala, ficou
tudo lá dentro e terminou.
“Eu estava aqui no Rio, por causa deles, e eu fiquei tão feliz da vida,
demais demais, nem me importava que ganhava pouco. Foi onde comecei a fazer os bonecos de novo,
eles vinham sempre pra equilibrar as minhas finanças de educadora, o pessoal
pensa que eu sou uma bonequeira, uma artesã, e não eu sou professora,
educadora”.
Com o projeto barrado pela
ditadura, a educadora seguiu. Agora, o desafio era montar uma escola na Ilha do
Governador com alguns amigos. Uma escola com método montessoriano. Aqui seus
bonecos ganharam cena de novo, como pedagógicos, uma família de bonecos. Nessa
mesma etapa da vida, a economia solidária se fez ainda mais forte. Maria conta
que foi a época em que venderam muitos, porque os psicólogos descobriram algo
que não era produzido no Brasil, e assim começou a rede.
“Eu ia pro colégio e ia deixava
três ou quatro pessoas no meu quarto, lá na Ilha com a máquina, trabalhando,
quando acabava a escola eu voltava e tinha aquele monte de coisa feita,
calculava e meu marido que adorava vender, vendia. Foi um tempo áureo da
economia solidária, em 1970”, a quantia era repartida igualmente e todos
discutiam o que seria feito. Maria fazia questão de não ser chamada de Dona,
pois não se declarava chefe, nem nada disso, eram companheiras.
Ainda sobre a economia solidária,
ela conta que sempre soube que isso existia por conta de sua formação. “Hoje em
dia, todo mundo que passou por mim se deu bem, você nem imagina quanto. Estou
querendo escrever umas páginas sobre isso. Tenho 45 pessoas que passaram por
aqui e tenho a historinha de cada uma, porque houve uma promoção humana de cada
uma. Ao mesmo tempo em que, trabalhava no manual, a gente conversava muito,
então cada uma ia descobrindo o seu talento e foi pelo mundo fora”.
Nos anos 80/90 e 2000, seguiu
para fazer trabalhos na ONG Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião,
que defendia os direitos das crianças em serem o que são e atuava na construção
de centros culturais. Com oito casas espalhadas por comunidades no Rio, Maria,
fazia o trabalho de levar um pouco mais de cultura a cada uma delas, inspirada
pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ensinava e brincava, auxiliada
pela sua “Trouxa Mágica”, onde levava os brinquedos e artes do dia e, contava
sempre com seus bonecos.
Nesse tempo escreveu centenas de
relatórios contando o dia a dia de seus trabalhos, as histórias das crianças,
tudo o que vivia no projeto. Essas páginas se tornaram seu primeiro livro.
Auxiliada pelas sobrinhas, selecionou páginas e páginas e construiu seu próprio
jirau ‘O Bem-te-vi’. “O primeiro livro, ficou bem bonito, arrumamos ele. Eu
coloco muitas técnicas, dicas, se fizer esses exercícios fez maravilhas,
sugestões, trago inspirações, pessoas que me inspiraram. Eu mostro que as
oficinas de bonecas não são só pra criança, não é brincadeirinha, eu já fiz com
muita gente, com adultos, idosos, universitários”, contou.
Maria das Dores escreve tudo e,
depois do primeiro livro, sobrou muito material, foi então que ela partiu para
o segundo. Por opção, escolheu mochila ao invés de trouxa, e o livro “Mochila
Mágica”, já está sendo preparado. “Minhas sobrinhas me ajudaram até uma parte e
agora estou fazendo sozinha, acho que estou dando conta. Estou aproveitando
tudo o que tenha. Eu coloco fotos e escrevo também, pra contar como era, com
textos meus da época. Coisas que eu realizava”.
Hoje, ela trabalha na conclusão
desse livro e, quem sabe, chega. Digo quem sabe, porque ela não parece querer
parar, mas diz que vai esperar um pouco, se os próximos saírem deve ser sobre
economia solidária e promoção humana.
Questionada sobre porque fez tudo
o que fez na vida, responde de primeira. “Promoção humana, tirar a pessoa da
sua tristeza, depressão, do seu não ter nada, da sua pobreza de todo tipo, e
dar um ponto de apoio, e a gente conseguiu, conseguimos, tanto com criança
tanto com adultos”. Conseguimos como ela mesma diz, porque nunca fez nada
sozinha, sempre em grupo, sempre com mais alguém.
“Minha opção de vida foi algo que
eu não me arrependo, na minha família que tem um poder aquisitivo bom, até
pouco tempo, achavam que eu era coitada, fazia os bonecos com o pessoal da
favela e não tem dinheiro pra nada. Mas eu não me importo, se eu tivesse que
fazer de novo faria igual, não quero nada diferente. Foi luta, mas muito
interessante, eu fui a muitos lugares, conversei com muita gente, muita coisa
boa, fui, vi e não deixei de ir a algum lugar que queria, nunca deixei de
dormir e comer direitinho. Dentro da economia solidária e da fraternidade é o
pessoal mais fino que existe, muita gente não tem dinheiro em banco, mas são
finos, pessoas muito boas, muito legais”.
Comentários
Postar um comentário