Legado da Olimpíada, só para camadas altas da sociedade


Passaram-se as Olimpíadas e o legado deixado para a cidade ficou majoritariamente para a Zona Oeste, mais precisamente para o bairro da Barra da Tijuca, que abriga uma população que pertence às camadas altas da sociedade.
As favelas, no entanto, continuam sua luta por melhorias e continuidade dos programas e intervenções que não foram concluídos ou que deixaran problemas que ainda não encontraram resposta por parte do Poder Público.
Esse tratamento reforça o sentimento de segregação e relega os moradores das áreas vulnerabilizadas da cidade a cidadãos de segunda classe, a despeito de serem pagantes de impostos.
Mesmo assim, os moradores e moradoras de diversas favelas vêm se organizando ao longo da realização dos megaeventos que aconteceram na cidade como sede e dando visibilidade ao descaso e à indiferença em relação às suas necessidades.
No esforço de receber por parte dos agentes públicos uma resposta, entidades locais, moradores, associações de moradores e instituições parceiras uniram-se aos moradores para organizarem uma proposta para ser apresentada aos gestores.
Para isso, contaram também com o auxilio da Fiocruz e seu Laboratório Territorial de Manguinhos(LTM) e da Defensoria Pública do Estado, na construção de uma Audiência Pública para cobrar soluções.
A audiência ocorrerá no dia 31 de agosto. Segue o resumo e a proposta do que será essa audiência que, mais do que nunca, demonstra que a favela é Cidade.
PAC FAVELAS: PROBLEMAS NÃO RESOLVIDOS
No dia 31 de agosto próximo, acontecerá a Audiência Pública “PAC Manguinhos, Alemão e Jacarezinho: questões habitacionais não resolvidas... Qual a solução?”. Esta audiência pública, convocada pelo Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUTH), foi articulada pelos movimentos sociais das favelas de Manguinhos, Alemão e Jacarezinho, a partir de suas ações junto ao NUTH. Será às 14 horas no auditório da Fesudeperj, Rua Marechal Câmara nº 314 – 4º andar, Centro.
Foram convidados para dialogar e apresentar respostas aos problemas levantados pelos moradores dessas favelas órgãos responsáveis pela execução do PAC Favelas: a Prefeitura - Secretaria Executiva de Coordenação (Segov); o Governo do Estado - Secretaria de Obras do Estado, Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos e a EMOP, e; a Superintendência da Caixa Econômica Federal. Órgãos de controle da sociedade: o Ministério Público Federal – Procuradoria dos Direitos dos Cidadãos e o Ministério Público Estadual – Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Cidadania. E o Poder Legislativo: da Câmara Municipal a Comissão de Acompanhamento das Questões de Habitação e da Assembleia Legislativa a Comissão de Política Urbana, Habitação e Assuntos Fundiários.
A abertura da Audiência terá uma atividade cultural organizada pelos moradores com a participação do artista e militante dos movimentos de favelas do Rio de Janeiro Cosme Felippsem morador do Morro da Providência, que fará uma performance político-musical teatralizada.
Após a audiência os moradores farão uma caminhada pelo Boulevard Olímpico, saindo do auditório do Fesudeperj até a Praça Mauá.
O Que os Moradores Reivindicam
Um problema comum vivenciado pelas três favelas é a não entrega de suas casas prometidas pelo Governo do Estado no âmbito do PAC. São mais de 4 mil famílias que estão em aluguel social, a maioria há mais de 5 anos, por terem tido suas casas removidas em razão de obras do plano de Aceleração do Crescimento, seja por morar em áreas de risco, abertura de vias, etc. No Alemão são mais de 1.700 famílias, no Jacarezinho mais de 1.900 famílias e em Manguinhos 1.090 famílias, das comunidades CCPL (403 famílias), CONAB (662 famílias), Parque João Goulart (10 famílias), Vila São Pedro (10 famílias) e Vila União (5 famílias). Problema agravado pelo atraso sistemático no recebimento deste pagamento, além da defasagem no valor do mesmo que continua de R$ 400, 00, desde o início das remoções, há mais de 5 anos.
Em Manguinhos, por exemplo, os moradores enfrentam problemas graves, alguns não resolvidos, outros agravados e, ainda, outros criados pelo próprio PAC, tais como: as casas em risco de desabamento; a persistência de problemas de saneamento básico, com redes de esgoto estouradas ou misturadas com as águas de chuva, a precária coleta de lixo e de fornecimento de água, nas ruas e vielas por onde passou o PAC, e anteriormente outras políticas públicas como o PROSANEAR, na década de 1990; as precariedades da rede elétrica e de fornecimento adequado de luz; as dificuldades de mobilidade pelas precárias condições das vias; e as enchentes como a perpetuação de um problema que tem solução, e que o PAC não resolveu. Com relação aos problemas de habitação destacamos também a manutenção de famílias em aluguel social sem que haja um horizonte para a definição de sua moradia definitiva e obras inacabadas que afetam as condições de moradia.
Estes problemas em Manguinhos constam do relatório “PAC Manguinhos: Problemas não Resolvidos e Recomendações”, elaborado por pesquisadores do Laboratório Territorial de Manguinhos (LTM), da FIOCRUZ, dos projetos de extensão Arquitetando Intersubjetividades da UNISUAM e LSECAU/FEN da UERJ, em abril deste ano, para subsidiar as demandas dos moradores junto a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
O PAC Favelas, quando foi anunciado, trouxe muitas esperanças para os moradores do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo desconfianças, pois em suas memórias estão sempre vivas as suas experiências com a pouca ou nenhuma transparência na definição de prioridades, a incompletude e a provisoriedade, que marcam as políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro. Desconfianças essas que, novamente se concretizaram em obras mal feitas, outras inacabadas, e outras que sequer saíram do papel.
A despeito de ter colocado as favelas na agenda positiva da cidade e de ter realizado algumas obras, que mudaram as favelas onde teve intervenções, o PAC deixou um legado de mal feitos e de desesperanças. Não trouxe nenhuma mudança substantiva nos modos de se fazer política na cidade, como havia sido anunciado pelo Governo Federal, como condição para o financiamento das obras. Não foram superados o clientelismo eleitoreiro e as práticas de cooptação por grupos políticos, nem os interesses republicanos e coletivos passaram a preponderar sobre os interesses individuais, sejam dos governantes, das lideranças locais ou de outros interessados. Processo esse bem conhecido dos moradores, que tem como final infeliz as prioridades da sociedade mais uma vez relegadas com a continuidade dos problemas, num círculo vicioso sem fim.
* Pesquisadora Consultora na ONG ASPLANDE e moradora do Borel

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